Nas últimas décadas, as regiões de fronteira ganharam grande destaque, tornando-se tema central de diversas pesquisas no meio acadêmico. Este fato está fortemente vinculado ao fenômeno da globalização, em que se forjou o mito do enfraquecimento, e até mesmo desaparecimento das fronteiras internacionais. Embora a ideia de um ‘mundo sem fronteiras’ seja amplamente divulgada, nota-se que conteúdos particulares de cada país – legislação, moeda, base produtiva, dentre outros aspectos – delimitados territorialmente pela linha de fronteira, ainda são indutores centrais dos fluxos internacionais (Machado, 1997). Pode-se ainda afirmar que, na escala local, a flexibilização das fronteiras, com a diminuição ou queda de barreiras alfandegárias e gradientes monetários, em muitos casos, tornou mais evidente as particularidades de cada um dos lados do limite internacional. Objetivando compreender os impactos da flexibilização das fronteiras e de seu uso estratégico no contexto do Mercosul, esta dissertação se propõe a analisar a produção de arroz na bacia hidrográfica transfronteiriça da Lagoa Mirim, situada na costa atlântica da América do Sul, no extremo leste da fronteira Brasil – Uruguai. A produção rizícola, incialmente introduzida em terras brasileiras, expandiu-se de forma intensa a partir de meados do século XX, tornando a bacia da Lagoa Mirim um importante espaço produtor do cereal. Esta bacia, que possui 47.362 Km2 – com 64,1% em território uruguaio e 35,9% em território brasileiro (Steinke, 2007) – apresenta relevo suave e grande densidade de corpos hídricos, condições naturais que permitiram o surgimento e expansão do plantio de arroz. Como recorte temporal, a pesquisa teve como foco o período compreendido entre a década de 1990 e os dias atuais, em decorrência da criação do Mercosul em 1991 que, com as alterações na política comercial entre os países membros, desencadeou significativas mudanças na dinâmica da produção de arroz neste segmento fronteiriço. Para a produção da pesquisa, foram obtidos dados em sites governamentais do Brasil e Uruguai, de instituições ligadas ao setor rizícola, como o Instituto Rio-Grandense de Arroz (IRGA) e a Associación de Cultivadores de Arroz do Uruguai (ACA), além do levantamento de informações em trabalhos de campo realizados na região de estudo. Como resultado, observou-se que, nas últimas décadas, os produtores brasileiros adquiriram papel central na produção de arroz em ambos os lados da fronteira em questão. Muitos destes, que encontravam-se endividados e com pouco suporte do governo brasileiro, observaram as grandes oportunidades e vantagens presentes no território vizinho, onde havia terras mais baratas e custos de produção significativamente reduzidos. Esta pesquisa constatou que, com a criação do Mercosul e a eliminação da taxa de importação do arroz, tornaram-se mais evidentes as diferenças entre os dois lados da fronteira. O movimento de arrozeiros brasileiros para o Uruguai se intensificou, engendrando uma rede de produção que se beneficia pelas vantagens existentes em cada um dos lados do limite internacional, fortalecendo, portanto, o uso estratégico da fronteira pelos agentes produtivos ali atuantes.

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FERREIRA, André Cassino. 2012. 94 f. Produção de arroz na bacia hidrográfica transfronteiriça da Lagoa Mirim (Brasil-Uruguai). Dissertação (Mestrado em Geografia) – Programa de Pós-Graduação em Geografia, Universidade Federal do Rio de Janeiro,