A relação entre água e fronteiras internacionais é antiga na geografia política, mas ganhou especial relevo a partir das percepções da crise ambiental a partir da década de 1970. No processo de formação dos Estados nacionais e de delimitação de suas fronteiras, os cursos d’água e as linhas cumeadas foram utilizados como limites demarcatórios entre os Estados, numa tentativa de uso do quadro natural para estabilizar as unidades políticas emergentes. Segundo Foucher (1991: 41), “para o traçado dos limites, as configurações hidro-topográficas têm sido escolhidas, seja em razão de sua visibilidade no terreno, seja por que são pontos de referência cômodos nas cartas (…), seja, enfim, porque oferecem a uma das partes uma vantagem tática”. Foucher comenta o fato de que os geomorfólogos foram mais utilizados do que os especialistas em geografia humana quando requisitados para a demarcação de fronteiras (1991: 42).

No contexto atual, as bacias hidrográficas emergem como unidades de gestão de recursos naturais que se sobrepõem e muitas vezes desafiam as referências baseadas unicamente no recorte territorial dos Estados. O argumento central para a delimitação da bacia como unidade de gestão se refere à impossibilidade de limitar a questão ambiental aos recortes políticos estabelecidos. Porém, as bacias são entrecortadas por entidades políticas estabilizadas, de modo que a reconstituição da bacia como uma unidade se dá a partir da intervenção política das entidades territoriais preestabelecidas. A escolha da bacia hidrográfica como uma unidade territorial é uma escolha política, podendo mesmo ser definida em lei, como no caso do Brasil (Lei 9433/97), mas que se fundamenta na identificação de uma unidade natural definida através do conhecimento científico da dinâmica hidrológica. Nesse duplo aspecto da bacia hidrográfica como recorte político-territorial e unidade natural reside uma tensão que deve ser levada em conta na definição das escalas de ação referentes às águas transfronteiriças.

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Monteiro, L. C. R. 2009. Água, fronteira e bacias internacionais.  Caderno de Resumos da III Jornada Científica da Pós-Graduação em Geografia da UFRJ, p. 26-29.