A questão da água no mundo tem sido considerada como um dos principais desafios do século XXI. Nos últimos vinte anos, intensificaram-se as abordagens que conferem à água um valor estratégico dentro de uma perspectiva de escassez relativa e absoluta.

Para além de uma abstração retórica, o valor estratégico da água tem engendrado processos de organização e gestão territoriais, em diversas escalas. A dimensão internacional e transfronteiriça de certos corpos hídricos é particularmente interessante porque contrapõe uma lógica territorial de soberania nacional a uma dinâmica hidrológica que transcende os espaços nacionais. Embora essa tensão entre lógicas estatais territoriais e dinâmicas transfronteiriças não seja nem nova nem unicamente relacionada à questão da água, podemos afirmar que tal questão introduz um aspecto diferencial em relação às percepções da atual crise da soberania do Estado, mesmo considerando, conforme Arrighi et al., que estas percepções “são distorcidas pela superestimação da importância dos “Estados nacionais” como unidades básicas da política mundial na era moderna” (2001: 47). O aspecto diferencial a que nos referimos é que o mesmo discurso que abre as porteiras do Estado territorial, retirando-lhe o domínio exclusivo sobre diversos fluxos, opera um encerramento desses fluxos nos limites de uma nova unidade territorial, baseada em um recorte natural: a bacia hidrográfica transfronteiriça.

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Monteiro, L. C. R. 2009, Apontamentos para uma geopolítica da água nas fronteiras internacionais. Revista Eletrônica Boletim do Tempo Presente, Ano 4, N. 15.  [ISSN 1981-3384]